graduação
DA LITERATURA
UNIVERSAL
5
Giovanni Boccaccio
DECAMERÃO
1971
2.a Edição
Tradução de
Torrieri Guimarães
PROEMIO
É próprio do homem ter compaixão dos aflitos. Tal sentimento fica bem a qualquer um; contudo, exige-se que dele dêem mais provas as criaturas que já precisaram de socorro, e o tenham recebido da parte de alguém. Eu estou entre estas criaturas, se é que alguém já precisou de compaixão — se tal sentimento já foi caro a alguma pessoa
—, se dele algum ser já auferiu prazer. E isto pela razão de que, desde a minha primeira mocidade, até hoje, sempre me senti arder por um amor muito elevado e nobre. Ao narrálo, posso despertar a impressão de que ele foi mais ardente do que o devera, tendo em vista a minha humilde posição na sociedade. Entretanto, eu fui elogiado por pessoas que eram discretas, e que tomaram conhecimento do fato.
Embora tivesse adquirido fama por causa desse amor, mesmo assim sofri demais por tê-lo alimentado. É verdade que não sofri em razão de crueldade da mulher amada.
Padeci por via do muito amor concebido em espírito, em razão de uma angústia desproporcionada. Esta angústia não me permitia ficar dentro dos limites convenientes; e, por causa disto, trazia-me, com freqüência, mais desgostos do que o razoável. Para tais desgostos, muita paz e elogiável consolo me deram os raciocínios de algum amigo; tanto isto é verdade, que estou firmemente convicto de que foi em virtude desses raciocínios que eu não sucumbi.
Àquele que determinou, por lei irrevogável, infinito que é, que tenham fim todas as coisas terrenais, aprouve, contudo, que o meu amor, mais ardente do que outro qualquer, por si mesmo reduzisse a própria intensidade, com o simples passar do tempo. Era amor que nenhuma força de argumentação, nem de conselho, nem de vergonha, nem sequer de perigo, tinha podido vencer, e muito menos dissipar. De si este amor apenas me deixou, no espírito, o prazer que a paixão costuma ofertar à