Goya e Ingres
1. A Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas que, de agora em diante, não está mais em meu poder esquecê-las. E, no entanto, não vejo de que forma poderia resolvê-las; e como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter à tona. Esforçar- me-ei, não obstante, e seguirei mais uma vez a mesma via que percorri ontem, afastando-me de tudo aquilo em que eu puder imaginar a menor dúvida, tal como se soubesse que isso fosse absolutamente falso; e continuarei sempre por esse caminho até que tenha encontrado algo de certo ou, pelo menos, se outra coisa não for possível, até que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo de certo.
2. Arquimedes, para tirar o globo terrestre de sua posição e transportá-lo para outro local, nada pedia senão um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças, se for feliz o bastante para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitável.
3. Suponho, então, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado-me de nada jamais existiu de tudo quanto minha memória repleta de mentiras me apresenta; penso em não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas ficção do meu espírito. O que, portanto, poderá ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa, a não ser que não há nada de certo no mundo.
4. Diante disso, como é que sei se não há alguma outra coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual não se possa ter a menor dúvida? Não há algum Deus, ou alguma outra potência, que me ponha no espírito esses pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez eu seja capaz de produzi-los por mim mesmo. Eu, então, pelo menos, não sou algo? Ocorre que já neguei que eu tivesse algum sentido ou algum corpo. Hesito, no entanto, pois o que se segue disso? Sou de tal modo dependente do corpo e dos