Gilberto Freyre
HISTORIADOR DA CULTURA.
Geraldo Antonio Soares*
J
á no prefácio à primeira edição de Casa-grande e senzala (1933),
Gilberto Freyre nos dá uma boa idéia de sua visão a respeito da formação brasileira em seus aspectos culturais, citando um viajante estrangeiro que por aqui passou e cujas impressões foram publicadas em Paris em
1867. Trata-se de Adolphe d’Assier quando aquele se refere a um assunto aparentemente dos mais prosaicos: a domesticação de animais. D’Assier observou no Brasil o fenômeno curioso dos macacos tomarem benção aos moleques do mesmo modo que estes aos negros velhos e os negros velhos aos senhores brancos. Gilberto Freyre vê aí um dos exemplos mais expressivos do que considerava como uma domesticação patriarcal de animais, onde se evidencia “a hierarquia das casas-grandes estendendo-se aos papagaios e aos macacos”.1 Aqui já observamos algumas idéias centrais desta grande obra de Gilberto Freyre, idéias estas relacionadas com a família, o patriarcalismo, a escravidão. Podemos também constatar o quanto a questão da cultura é importante nesta obra maior de
Gilberto Freyre e o quanto esta importância se revela na própria forma como ele escreveu Casa-grande e senzala, ou seja em seu estilo.
* Doutor em História pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales - EHESS – Paris;
Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo.
1
Gilberto Freyre, Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, 25ª. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1987, p. LXXIII.
Afro-Ásia, 27 (2002), 223-248
223
Ainda no mesmo prefácio à primeira edição de Casa-grande e senzala, Gilberto Freyre nos brinda com o que consideramos como algumas das mais belas palavras a respeito da forma como devemos tratar a história, forma esta que o aproxima muito da tradição historiográfica francesa da chamada Escola dos Annales e, particularmente, de um dos seus precursores, Lucien Febvre, que também