Visto sob o ângulo da análise em si mesmo, o espectador mais desatento verá no filme Ligações Perigosas a competição entre dois ex-amantes num ambiente carregado de sensualidade na França do século XVIII. Aqui, no entanto, em vez de comentar o que obviamente salta aos nossos olhos, tentaremos ponderar aspectos que compõe o cenário social dos personagens. A obra cinematográfica é baseada no romance de Pierre Ambroise François Choderlos de Laclos, em publicado em 1782. No plano político, fomos, desde o ensino médio, condicionados a enxergar o Estado Absolutista no Ocidente como mediador entre a nobreza feudal e a nova burguesia urbana. Essa hipótese foi desenvolvida por Engels e dominou a historiografia sobre Idade Moderna por muito tempo. Na década de setenta do século passado, Perry Anderson (historiador marxista) escreveu uma obra desestruturando tal proposição no livro “Linhagens do Estado Absolutista”. Ao contrário de Engels, ele considera as instituições do “Estado burguês” apenas superficialmente modernas (o termo moderno pode levar a outras discussões que, por hora, não cabem aqui). Pois, no período inicial da Idade Moderna, a classe dominante continuou a mesma da do final do Medievo: uma aristocracia feudal. Essa nobreza passou por profundas transformações, mas não foi desalojada da sua posição de comando do poder político. Logo, a coerção político-legal de caráter pessoal (suserano/vassalo) apenas deslocou-se em direção ao Estado centralizado. A metamorfose dessa aristocracia feudal manifesta-se na primeira cena do filme. Nela, os personagens são vestidos, calçados, banhados, maquiados por um séquio de serviçais. Em todos os momentos da película, fica evidente a formalidade e o modo correto de proceder nas mais corriqueiras (corriqueiras para nós) situações do cotidiano. Na passagem dessa nobreza feudal para os palácios e o espaço urbano, Perry Anderson fala de um “amansamento” da nobreza feudal. [“No curso desse processo, a aristocracia do final do