Filme de tróia
Adalberto Amaral havia sonhado com a enchente e não conseguia dormir. Na noite do dia 12, liderou a família e um grupo de vizinhos até um local seguro, evitando que a tragédia das chuvas no Rio fosse ainda pior
Manuela Franceschini, de Itaipava
Adalberto Amaral salvou 40 pessoas e perdeu a casa: premonição e coragem (Marcos Michael)
“Mandei meu filho agarrar a tela e rezar. Dizia ‘só reza, filho, só reza, não chora e não solta a tela’”. Ele voltava nadando e pegava mais gente pra levar pra tela. Fez isso até conseguir juntar as vinte pessoas que pediam por socorro"
Eu estava preocupado. Cheguei muito cansado do trabalho, com uma coisa ruim, uma coisa que a gente sente. Fiquei na janela olhando o que acontecia. Sonhei umas quatro vezes com isso. Era tudo igual: a água vinha arrancando tudo, justamente como aconteceria naquela noite, subindo devagar e, de repente, bem rápido. Eu via gente correndo, minha família em cima do telhado. Falei para minha mulher uns dias antes: “Mulher, sonhei que teve uma enchente e arrancou essa vila aqui todinha.”
Naquele mesmo dia, o caseiro Adalberto Amaral, 40 anos, que cuida de uma das casas do Vale do Cuiabá, salvou a vida de cerca de 40 pessoas. Enquanto conta como foi a madrugada do dia 12, segura duas moedas entre os indicadores e bate uma contra a outra. Fala rápido e atônito. Ele morava na vila ribeirinha que foi completamente destruída pelas chuvas no vale, em Itaipava, município de Petrópolis, no Rio de Janeiro. "Não tem jeito, pobre mora na beira do rio ou no alto do morro". Como conhecia o lugar melhor do que a própria mão calejada, traçou uma rota de fuga para toda a vizinhança. No meio do desespero e do temporal, conseguiu liderar o grupo e resgatar os três filhos, mulher, irmãos, sobrinhos, vizinhos, uma mulher grávida de nove meses e bebês. Ainda tem os olhos vermelhos pela falta de um lar, mas o que o faz abaixar a cabeça e chorar sem parar é pensar nos que não conseguiu