Felicidade clandestina
1) “As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias.” (Os desastres de Sofia)
“(...) Na verdade era uma vida de sonho. Às vezes, quando falavam de alguém excêntrico, diziam com a benevolência que uma classe tem por outra: “Ah, esse leva uma vida de poeta”. Pode-se talvez dizer, aproveitando as poucas palavras que se conheceram do casal, pode-se dizer que ambos levavam, menos a extravagância, uma vida de mau poeta: vida de sonho. Não, não era verdade. Não era uma vida de sonho, pois este jamais os orientara. Mas de irrealidade.”
(Os obedientes)
Com base nos fragmentos acima transcritos, extraídos de contos do livro Felicidade clandestina, de Clarice Lispector, considere as seguintes afirmativas:
1. Narrar ou deixar de narrar, avaliar de diferentes maneiras um mesmo fato narrado são hesitações freqüentes dos narradores de Clarice Lispector. Como nos fragmentos acima, também em outros contos prioriza-se a abordagem da vida interior, própria ou alheia, revelando sutis alternâncias de percepção da realidade.
2. O aspecto metalingüístico do primeiro fragmento não está presente em todos os contos, mas é fundamental para algumas narrativas, dentre as quais Os desastres de Sofia, que trata da complexa relação entre uma menina e o professor que a ajudou a perceber a força da palavra escrita.
3. Como em Os obedientes, também nas outras narrativas de Felicidade clandestina homens e mulheres passam por idênticas angústias. Na ficção de Clarice Lispector, as diferenças entre a percepção masculina e a feminina não são tematizadas, pois o ser humano está sempre condenado a viver num mundo