Falas Medéia
Medeia
Ó grande malvado – que está é a pior injúria que a minha língua tem para a tua covardia – tu vieste ter conosco, tu vieste, odiosa criatura?47 Isto já não é atrevimento, isto já não é ousadia – olhar de frente para os amigos a quem se faz mal – mas a maior de todas as enfermidades humanas, a falta de vergonha. Mas fizeste bem em vir. Porque eu, injuriando-te, aliviarei a minha alma, e tu, ouvindo-me, passarás pela tortura.
Pelo princípio principiarei a dizer. Fui eu quem te salvou, como sabem os
Helenos quantos embarcaram na mesma nau de Argos, quando te mandaram por o jugo aos touros ignispirantes e semear o campo mortífero. E o dragão, que, envolvendo o velo de ouro, enrolado em espiral, o guardava insone, mateio levando à tua frente a luz da salvação.
E fui eu que, traindo o meu pai e a minha casa, contigo vim para Iolcos do Pélion, com mais paixão do que sensatez. E matei Pélias, da maneira mais dolorosa, às mãos das suas filhas, e toda a casa destruí. E depois de teres recebido tais benefícios da nossa parte, tu, o mais celerado dos homens, atraiçoaste-nos e contraíste novas núpcias, havendo filhos; se ainda ao menos não tivesses descendência, seria perdoável teres-te enamorado de um novo tálamo. Desvaneceu-se a fé nos juramentos, nem sei se crês que os deuses de então já não governam, ou que há novas leis agora para os homens, já que ao menos tens consciência de não teres sido fiel ao juramento que me fizeste. Ai, minha mão direita, que tantas vezes apertaste, e este joelhos, como em vão se agarrou neles, como suplicante48, um homem malvado! Como não realizamos as nossas esperanças.
Mas vamos; conversarei contigo, como se meu amigo foras. Supondo que algum bem me virá da tua parte? seja como for. Sujeito a um interrogatório, mas infame parecerás. E, agora, para onde hei de voltar-me? para a casa paterna e para a minha pátria, que traí por amor de ti, vindo para este país? Ou junto das desgraçadas filhas