estado novo
Análise Social, vol.
XXXV
(157), 2001, 1031-1054
O salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o
Estado Novo e a questão do totalitarismo**
O propósito deste breve ensaio, partindo de uma tentativa de definir sinteticamente o sistema de valores, a axiologia, as grandes bases do discurso ideológico do Estado Novo nos anos 30 e 40, é o de defender a ideia de que esse sistema de valores — as «verdades indiscutíveis» proclamadas no ano
X da revolução nacional —, pela sua própria natureza propositiva, pela mundivisão totalizante que transportava, exigiu e criou um aparelho de inculcação ideológica autoritária, estatista, mergulhado no quotidiano das pessoas
(ao nível das famílias, da escola, do trabalho, dos lazeres), com o propósito de criar esse particular «homem novo» do salazarismo.
Com base nas contribuições inovadoras dos trabalhos de investigação mais recentemente realizados ou publicados nos domínios da propaganda1, da educação nacional2, da criação de uma «cultura popular»3, da orientação
* Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
** Este texto reproduz, com alguns desenvolvimentos, a comunicação apresentada pelo autor ao Colóquio International L’Homme nouveau dans l’Europe fasciste, organizado pelo
CHEVS, Paris, Março de 2000.
1
Cf. Jorge Ramos do Ó, Os Anos de Ferro — o Dispositivo Cultural durante a «Política do Espírito», 1939-1949, Lisboa, Ed. Estampa, 1999, e Heloísa Paulo, Estado Novo e
Popaganda em Portugal e no Brasil. O SPN e o DIP, Coimbra, Ed. Minerva, 1994.
2
Cf. António Nóvoa, «A educação nacional», in Fernando Rosas (coord.), Portugal e o Estado
Novo (1930-1960), Nova História de Portugal (dir. Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), vol.
XII, Lisboa, Presença, 1992, pp. 456-519, e entradas sobre «Educação nacional e os vários subsistemas de ensino», in F. Rosas e J. M. Brandão de Brito (coord.), Dicionário de História do
Estado Novo, vol. I, Lisboa, ed. Círculo