escravidão
José de Souza Martins1
Audiência Pública - CPI do Trabalho Escravo
Câmara dos Deputados – 18 de abril de 2012
A compreensão da ocorrência de formas servis de trabalho ainda no Brasil de hoje não prescinde da referência às conexões e articulações das formas sucessivas de escravidão entre nós. Não se trata de distrair os que se preocupam com o problema, mas de não escamotear as estruturas profundas que dão sentido a essa persistência. Ainda que constitua uma notória anomalia em relação às conquistas sociais e aos valores do mundo moderno, é preciso considerar, para compreendê-la, que esse mesmo mundo moderno se constituiu com base na imensa acumulação primitiva de capital, com base na escravidão moderna, portanto, que criou os fundamentos econômicos do capitalismo. E criou, portanto, as condições para que uma nova economia, baseada na reprodução propriamente capitalista do capital, a sua reprodução ampliada, se propusesse como fundamento material da modernidade.
O caso brasileiro não nega essa tendência geral. Dela discrepa, porém, na persistente permanência de mecanismos de acumulação primitiva de capital quando a economia já é predominantemente moderna, baseada na racionalidade do lucro, só possível se apoiada no trabalho livre, igualitário e contratual. Essa acumulação primitiva está essencialmente no uso inaugural, de momentos decisivos da economia brasileira, de diferentes formas de trabalho escravo. Seria um engano, no entanto, supor que a escravidão contemporânea, que nega essas três características do trabalho moderno, é mera sobrevivência de arcaísmos sociais. Histórica e estruturalmente, a sociedade brasileira paga o tributo de suas origens coloniais atualizando esses arcaísmos como elementos constitutivos da própria economia moderna que a caracteriza, numa pós-modernidade antecipada. Se entendermos que a pós-modernidade latinoamericana é combinação funcional e articulada de moderno e arcaico, e não propriamente o