Drummond sete faces
Carlos Drummond de Andrade
POEMAS
A Bomba
A bomba é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba mente e sorri sem dente
A bomba vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba faz week-end na Semana Santa
A bomba tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
A bomba industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários A bomba sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia
A bomba não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba continnua a envenená-las no curso da vida
A bomba respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da comparsaria
A bomba tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba mata só de pensarem que vem aí para matar
A bomba dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba saboriea a morte com marshmallow