Do poder da palavra!
ADÉLIA BEZERRA DE MENESES
Em "As 1001 Noites", Sheherazade vence a morte e o poder, propiciando a cura através de um discurso vivo, corpóreo
“As 1001 Noites" em geral nos chegaram através de antologias infantis. Conhecemos as Histórias: "Sindbád, O Marujo", "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa”, "O Pescador e o Gênio” etc. Mas tais antologias acabam por privar o leitor do plano geral da obra - a estrutura de encaixe dos contos, embutido uns dentro de outros- e, sobretudo, da poderosa figura da Sheherazade, que vence a morte através da Literatura. Trata-se da maior apologia da Palavra, de que se tem conhecimento. E analisar o papel da contadeira de histórias significará abordar o problema das relações da mulher com a Literatura, da mulher com a Palavra, da mulher com o símbolo e com o corpo.
Sheherazade é personagem da narrativa que inicia e termina "As 1001 Noites", servindo-lhes de moldura; é a partir dela que se dará o pretexto para os demais contos. Trata-se da história de Xariar, sultão de todas as Índias, da Pérsia e do Turquestão, que descobre, por intermédio de seu irmão, imperador da Grande Tártaria, que sua mulher o traía. E ele toma conhecimento disso no mesmo momento em que o irmão lhe revela que também fora traído pela mulher. A conclusão é inevitável: "Todas as mulheres são naturalmente levadas pela infâmia, e não podem resistir à sua inclinação". O sultão, no estupor da mais funda desilusão afetiva, propõe ao irmão que ambos abandonem seus Estados e toda a sua glória, e saiam pelo mundo para, em terras estranhas, melhor esconderem seu comum infortúnio. O irmão aceita, com a condição de que voltariam se encontras sem alguém mais infeliz do que eles próprios. Seguem caminho, disfarçados, e chegam à beira-mar, onde são surpreendidos por algo que parece um maremoto. Sobem a uma árvore, escondem-se entre os galhos, e presenciam uma cena qual um gênio (um djinn) tira do mar uma grande caixa de vidro, fechada a quatro chaves,