Do melhor
Patrícia de Cássia Pereira Porto1
Há uma poética no tempo da narrativa literária; uma trama poética que faz da narrativa de vida pela via do texto memorialístico uma ou mais de uma possibilidade de existência e de resistência ao esquecimento. Existe uma poética do tempo que é um mergulho único na eternidade; o tempo fluído da memória que se narra é Kairós, um tempo que guarda dentro dos ponteiros a não-linearidade e que, por isso, é o próprio movimento e também a alquimia, numa mudança contínua de um estado para o outro. Voltamos assim ao pensamento de Heráclito, filósofo que entendia o mundo como fluxo contínuo de mudanças. Heráclito foi muito mais do que um filósofo que precedeu Sócrates. Ele foi, sem dúvida, fonte para muitos pensadores que acreditaram – como ele – na dinâmica das coisas. Para Heráclito o devir da existência não poderia ser estático, já que o mundo não era estático. Dessa cosmologia pré-socrática, podemos retirar algumas pistas para compreender o fluxo da narrativa memorialística que se localiza numa alternância sutil entre ficção e história, entre o real e o imaginário, entre o natural e o maravilhoso, entre o consciente e o inconsciente. E a busca pela verdade pertence a todos os tempos, a todas épocas humanas. Nós buscamos a verdade nas divindades, na fé que remove montanhas, buscamos a verdade como atividade intelectual e, por isso, refletimos sobre as coisas e queremos saber o porquê das existências ordinárias e extraordinárias. Enfim, a realidade o que é? E as verdades guardadas na realidade, quantas são? Sim, nós queremos saber das coisas, da matéria dos sonhos, como disse Shakespeare sobre o teatro. A literatura memorialista é como um teatro da narrativa, e as máscaras com os quais o narrador se apresenta vêm em camadas num sutil palimpsesto de rostos. O narrador memorialista é um fingidor, como no poema de Fernando Pessoa (2003), chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. Nas