Direitos Humanos
Print version ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.11 no.30 São Paulo May/Aug. 1997 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141997000200005 DOSSIÊ DIREITOS HUMANOS A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt
Celso Lafer
"MUITAS COISAS sabe a raposa; mas o ouriço uma grande". A partir deste verso do poeta grego Arquíloco, Isaiah Berlin propôs sua conhecida classificação de escritores e pensadores. Os ouriços seriam aqueles que tudo referem a uma visão unitária e coerente, a qual opera como um projetoorganizador fundamental de tudo o que pensam. Tendem, portanto, a uma perspectiva centrípeta e monista da realidade. As raposas seriam aqueles que se interessam por coisas várias, perseguem múltiplos fins e objetivos, cuja interconexão, ademais, não é nem óbvia nem explícita. A tendência que aí se manifesta é centrífuga e pluralista.
A classificação ouriço/raposa apresenta, como qualquer dicotomia, o risco da simplificação, mas pode ser um ponto de partida para análises extremamente fecundas. É o caso, se tiver como nota um distinguo, ou seja, uma capacidade heurística de indicar diferenças e dissimilitudes. Esta capacidade, como aponta Hobbes, é um ingrediente do discernimento indispensável para um bom julgamento. A qualidade deste juízo tende a aumentar (diria eu, como raposa) se, adicionalmente, a dicotomia não partir de uma visão taxativa de duas partes incomunicáveis, num aut/aut que absolutiza a diferença, mas for concebida como pólos de um contínuo com função pluralista voltada para iluminar uma realidade ontologicamente complexa. É nesta linha, seguindo a lição metodológica de Norberto Bobbio, que me valerei da dicotomia raposa/ouriço para discutir a contribuição de Hannah Arendt para a temática dos direitos humanos, fruto de uma reflexão sobre o significado do totalitarismo.
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Hannah Arendt pensadora é tanto ouriço quanto raposa. No que toca ao tema dos direitos humanos, ela é umouriço no diagnóstico e na