Direito e Literatura: Mil e uma noites
Antes da década de 1960, maculada com o movimento hipper e de outras contras-culturas, era pacificada a ideia que a dignidade sexual do indivíduo derivava do comportamento sexual do mesmo. Uma pessoa digna sexualmente era aquela pessoa que apenas cometia atos libidinosos dentro do casamento e com finalidade reprodutiva. O sexo não era nada mais que um meio necessário (porém socialmente indesejável) para se ter filhos. A mulher, em especial, não deveria nem ao menos expressar interesse pelo ato. Uma mulher digna era aquela que se aproximava ao máximo da frigidez. Logo, a posse do bem jurídico dignidade sexual não era o indivíduo, já que ele não dispunha da plena autonomia da vontade dessa dignidade. Mas sim era o coletivo, os outros que valorizavam ou não o nível ou existência da dignidade sexual da cada um. Isso é evidenciado na legislação penal da época. Por exemplo, não faz muito tempo que se compreendia impossível ocorrer estupros infra-conjugais. Ora, a lógica desse pensamento é simples: se o corpo de mulher é posse do marido (pois é um dever esposa manter relações sexuais com seu cônjuge), nada mais obvio que não seja possível existir um estupro dentro do casamento. Pensar o contrário seria admitir que alguém possa “furtar” algo de si mesmo. Não há crime em lesionar um bem jurídico que lhe pertence, então, já que a dignidade sexual da mulher pertence ao marido, não há crime se o marido – por meio de violência ou grave ameaça – constranger sua esposa a manter, forçadamente, relações carnais. Na verdade, nessa época cônjuge tinha o direito de se relacionar sexualmente com sua parceira, pois a dignidade sexual da esposa não pertencia a ela, mas sim ao marido.