É sobre o aparente fracasso da Justiça que recai minha reflexão crítica, da qual, abordarei o que penso serem suas origens e consequências, e o que talvez se possa fazer desde já, para atenuar as perspectivas pouco promissoras que se prenunciam. Penso ser inevitável admitir que o processo de formação do Estado português e seus desdobramentos no Brasil, de fato contribuíram sensivelmente para o desenvolvimento e a quase impossibilidade de eliminação de determinados traços de nosso caráter que, de certa forma, explicam algumas das facetas indesejáveis de nosso comportamento social, as quais, parece-me, refletem-se particularmente no plano das relações entre o Estado e a Nação, ou entre governantes e governados, como é o caso da aplicação da Justiça, bem mais do que no das relações interpessoais. Recordemos de início que, em países como a Inglaterra, em que teve lugar, na Idade Média, um feudalismo forte, as relações estabelecidas ao longo do tempo entre servos e suseranos culminaram no surgimento de Estados contratuais. Eloquente exemplo de tanto foi a promulgação, em 1215, pelo Rei João-Sem-Terra, da Magna Carta, por pressão dos Barões, senhores de terras. Ali se estipulou o princípio do no taxation without representation, que, embora voltado originariamente para a questão da legalidade tributária, expandiu sua interpretação para algo mais amplo: a convicção de que o poder pertence, de direito, ao povo; este, ao escolher seus representantes, cede-lhes parte desse direito - particularmente o de tributar; e os representantes, em contrapartida, assumem o dever de bem gerirem aqueles tributos, na condução dos destinos do povo pela senda do bem-comum. O governo, portanto - aí entendido como a integração dos três Poderes - é claramente visto como um mandatário do povo - ainda que a Justiça, no Brasil, não seja eletiva - e incumbido de, em seu nome, exercer adequada e honestamente o poder que lhe foi outorgado. Se não, que seja destituído, pelo voto ou pela força.