Dicionario filosofia
JOSÉ FERRATER MORA
TEXTO PREPARADO POR EDUARDO GARC A BELSUNCE E EZEQUIEL OLASO
TRADUZIDO DO ESPANHOL POR ANTÓNIO JOSÉ MASSANO E MANUEL
PALMEIRIM
PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE LISBOA 1978
FELICIDADE—As doutrinas éticas que colocam a felicidade como bem supremo denominamse _eudemonistas, mas isto não implica que não possa compreender-se a felicidade de diversas maneiras: como bem-estar, como actividade contemplativa, como prazer, etc. Neste último sentido, os cirenaicos pareceram sublinhar o prazer dos sentidos ou prazer material como fundamento indispensável do prazer espiritual. Como o prazer sensível é algo presente, tendeu-se para considerar que só o prazer atual é um bem verdadeiro; argumentou-se contra esta teoria, que os prazeres podem produzir dores. Os cirenaicos responderam que o dever É procurar a satisfação dos desejos de tal forma que se evitem as dores subsequentes. Também se argumentou contra os cirenaicos que a sua doutrina é egoísta e que o prazer de um pode resultar na dor de outro. Os cínicos, por sua vez, acentuaram o desprezo por todo o saber que não conduza à felicidade, isto é, à vida tranquila. Só pode conseguir-se esta vida quando se tem um domínio suficiente sobre si próprio, quer dizer, quando se atinja a auto-suficiência, ou autarquia. Daí o desprezo do prazer, que é para os cínicos o produtor da infelicidade, o que perturba a quietude do sábio. A regra do sábio é a prudência, a sabedoria, pela qual se eliminam todas as necessidades supérfluas, pois só a virtude é necessária. A ética eudemonista sempre entendeu a felicidade como um bem e também como uma finalidade. Diz-se por isso que equivale a uma ética de bens e de fins. Desde Kant costuma chamar-se a este tipo de ética “ética material”, para a diferenciar da “ética formal”, elaborada e defendida por Kant. Na medida em que se calcula que se atinge a felicidade ao conseguir-se o bem a que se aspira, pode dizer-se que todas as éticas materiais são éticas