DDDD
Nas circunstâncias o conflito (e que outro tema usar?) é inevitável. Primeiro, porque estão sentados lado a lado; segundo, porque se trata de poltronas de avião, cujos braços, na classe turista, são necessariamente estreitos; e terceiro, mas não menos importante, porque ela é gorda. Deus, muito gorda. Transbordaria daquele assento, especialmente daquele. Além disso, quer ler; não um pequeno livro de bolso, ou uma revista, ou mesmo um tabloide; não, é um jornal grande que ela escolhe, um matutino. Edição dominical, prometendo longa, longa leitura. Todo o tempo do voo, pelo menos. – Seu cinto de segurança – diz a aeromoça. Uma jovem, evidentemente bonita; e evidentemente delgada, ainda que sensual, do tipo falsa magra. Ele sorri, tímido, mas não é correspondido; nem o espera; a moça está ali apenas para se certificar do cumprimento das disposições de segurança. Ele tenta, pois, colocar o cinto, mas não consegue: a gorda está sentada em cima. Não é de estranhar: desgraças encadeavam-se em sua vida, de acordo com um superior, perfeito e maligno desígnio.
Suspira. E talvez por causa de seu suspiro, ou por causa da fivela, cuja dureza metálica há de ser percebida mesmo através da espessa camada de gordura de uma nádega descomunal, ela se ergue, ou tenta se erguer – um movimento que ele aproveita para, rapidamente, liberar o cinto: Afivela-o; o clique proporciona-lhe minúsculo conforto: algo funciona, afinal.
O Avião decola, jogando bastante – chove torrencialmente –, mas nem por isso ela abandona o jornal. Com os braços abertos, e aborta na leitura, comprime-o contra a janela. Ele decide que está na hora de executar a operação resistência. A primeira coisa a fazer é adverti-la sobre a invasão do espaço alheio. Para isso, encostou o cotovelo (espera, mas não tem certeza disto, que ela o perceba como um duro cotovelo) no braço dela, exercendo discreta pressão. Nada. Nem notou. Lê.
Ele engole em seco, e passa à etapa seguinte, mais drástica: envolve