Cultura com aspas
Manuela Carneiro da Cunha e Mauro W. Barbosa de Almeida
Numa surpreendente mudança de rumo ideológico, as populações tradicionais da Amazônia, que até recentemente eram consideradas como entraves ao 'desenvolvimento', ou na melhor das hipóteses como candidatas a ele, foram promovidas à linha de frente da modernidade. Essa mudança ocorreu basicamente através da associação entre essas populações e os conhecimentos tradicionais e a conservação ambiental. Ao mesmo tempo, as comunidades indígenas, antes desprezadas ou perseguidas pelos vizinhos de fronteira, transformaram-se de repente em modelos para os demais povos amazônicos despossuídos.
Vimo-nos na obrigação de escrever esse artigo em boa parte como resposta a dois mal-entendidos correntes. O primeiro consiste em questionar os fundamentos do compromisso das populações tradicionais para com a conservação: será que esse compromisso é uma fraude? Ou, para formular a questão de forma mais branda, será que não se trata de uma caso de projeção ocidental de preocupações ecológicas sobre um "bom selvagem ecológico" construído ad hoc? O segundo mal-entendido, obviamente relacionado ao primeiro, afirma que as organizações não-governamentais e as ideologias "estrangeiras" são responsáveis pela nova conexão entre a conservação da biodiversidade e os povos tradicionais. Este mal entendido causou estranhas parcerias entre militares e a esquerda de países pobres. Para refutar essas concepções, vamos dedicar algum tempo a esclarecer o contexto histórico no qual ocorreu esse processo e os papéis respectivos de distintos agentes na construção dessa conexão: as pessoas comuns, agentes urbanos, e "estrangeiros". Finalmente, iremos falar do significado que essa conexão assumiu localmente, de sua importância para o Brasil e a comunidade internacional, e de algumas condições necessárias para o seu êxito.
QUEM SÃO AS POPULAÇÕES TRADICIONAIS?
O emprego do