CRÔNICA
Na manhã de hoje a liberdade do sono eterno me tentou. Apesar de ter programado muitas atividades essenciais para esta manhã de feriado prolongado (leia-se atividades que não consigo desempenhar em dias de luta proletária), no silêncio e no escuro do quarto eu fiquei. Entre cochilar, acordar, sentir culpa, voltar a adormecer, olhei para o relógio e decidi. Esta é minha vida, essa ociosidade me pertence, a agitação do mundo lá fora não me seduz. Legitimei o crime.
Assim que tomei esta decisão, chafurdei a cara novamente no travesseiro que ainda tinha o cheiro do meu galego. Era muita tentação. Cama só para mim. Sem nenhuma televisão ligada intrometida. Nem coisas sendo derrubadas na cozinha. Pensei que poderia fazer uma costela assada a lá Ana Maria Braga no almoço de outro dia. Perdoei-me. A casa nem estava tão bagunçada assim. Eu acho...
De repente...alguém bate palmas lá fora, de forma enérgica e decidida. Não seria engano. Era aqui mesmo. Pensei, esperançosa, que poderia ser um evangelizador temporão (pois eles só vem no domingo e um pouco mais tarde). Parecia palmas masculinas, caso fossem de mulher a mão teria ficado vermelha além do suportável.
Esperei. As palmas continuaram. Achei que a casa fosse ser invadida. Senti até tontura, um torpor estranho quando, após a insistência, tive que finalmente levantar-me com esforço e por a cabeça na janela. Afastei a cortina e corajosamente disse: - Bom dia.
Vejo um homem com cara de pressa, todo amarelo, carro do Sedex nacional. “Mierda”. Ele não é desses que irá desistir e voltar outra hora. Era o carteiro. O “smile” respondeu: - Patrícia?
Pensei em mentir, mas já tinha jogado merda no ventilador quando pus a cabeça na janela. Acenei com a cabeça e levantei. Os planos tinham ido por água abaixo. Coragem pensei. Coragem! Coloquei um vestido do avesso que estava jogado no chão. O cabelo sem dúvida era assustador. Tinha me transformado em uma “afro-oriental”, meus olhos estavam