cronica
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo.
Uma vez o nosso grupo decidiu comparar árvores genealógicas, o tio Dedé fazia questão de contar a sua vida, e a história que mais repetia era a do filme que fizera em Hollywood. Os mais velhos já estavam cansados de ouvir a história, mas sempre aparecia alguém novo para o tio Dedé impressionar.
- O senhor fez um filme em Hollywood, seu Dedé?
- Apareço numa cena.
- Que filme era?
- Você não deve ter visto. Não é do seu tempo. O nome em inglês era ailand ovilovi.
- Como é?
- Ailand ovilovi. Acho que nunca passou no Brasil.
- Com quem era?
- Dorothy Lamour. Não é do seu tempo.
- E como foi que o senhor entrou no filme?
Acontecera durante o carnaval.
Eu improvisei um remoto príncipe calabrês entre meus antepassados. Todos se viraram para o tio Dedé, numa interrogação muda.
Era claro que a família não podiam trair o segredo do antepassado ilustre.
- Titio! O seu filme não se chama Island of love.
- É esse mesmo.
- Vão passar hoje na televisão!
A família toda se reuniu e convidou gente para ver "o filme do tio Dedé".
Mas o filme terminou e a cena não apareceu.
É apenas sinônimo de engodo, ou talvez esse blefe tenha uma história antiga, e a gente é que não tinha notado.
A Aliança, Tios, Ecos do Carnaval, Ascendências e Blefes.
Luiz Fernando Veríssimo.
Do livro As Mentiras que os Homens Contam.