Cronica ( texto narrativo)
Coração de Cristal *
(Foto: Veja São Paulo)
Quando minha mãe ficou doente, eu e meus irmãos nos surpreendemos. Dona Angela sempre fora tão saudável! Um amigo me alertou:
- Água nos pulmões pode indicar coisa séria.
O diagnóstico confirmou a gravidade: metástase de um tumor nas glândulas suprarrenais, sem possibilidade de operação. Até então não tivera um único sintoma! Em torno dela se formou uma rede de silêncios. Nunca gostara de falar de doenças de pessoas próximas, que dirá da sua! Eu brincava:
- Se é água nos pulmões, precisa de um encanador, não de um médico para retirar!
Ela ria. Dentro de mim, um nó diante de sua dificuldade para respirar, mas tentava elevar o astral. Aos poucos ela mesma percebeu a gravidade de seu estado, e as brincadeiras sumiram de nossos encontros.
Resolveu permanecer em Santos, onde morava. Após a morte de meu pai, iniciara um namoro com seu Olímpio, um aposentado de sua idade. Ele a acompanhava nas internações, segurava sua mão. O tratamento continuou paliativo. Intimamente eu rezava para que partisse antes de sofrer demais.
Havia tanto para falar! Muitas vezes, eu e mamãe nos desencontramos, ao longo da vida. Sonhava que eu tivesse uma vida estável, com bom emprego e casa própria. Não entendeu quando me rebelei para seguir meus próprios caminhos. Era uma mulher simples que na infância vivera pobremente, com seus pais, trabalhadores da roça. Parou de estudar menina, no 3º ano do antigo primário, quando deixou a escola para ir colher algodão. Casada, ajudava meu pai, ferroviário, com um pequeno bazar, mais tarde vendeu roupas feitas. Enfim, buscava maneiras de incrementar a renda da família. Seu maior medo era que um dos filhos passasse necessidade. Ao contrário de seus desejos, eu me arriscava de emprego em emprego, buscava outro tipo de vida. Discutimos muitas vezes porque eu não me preocupava com a segurança que ela tanto ambicionava. E me distanciei de minha mãe. Já maduro, não