CRISTIANO
Ao que tudo indica, comer um tijolo diariamente faz mal à saúde. Mais que dois maços de cigarro. No entanto, nunca encontrei médico que combatesse este pernicioso hábito.
Falam do perigo do torresmo, das picanhas engorduradas, das frituras, do açúcar, da vida sedentária, da cerveja... Mas sobre o perigo da ingestão de tijolos o silêncio é total. Claro. Não é preciso. Ninguém deseja comer tijolos. A proibição aparece somente no lugar onde mora o desejo. Os bombeiros só são chamados quando existe incêndio. Está proibido
(inutilmente) cobiçar a mulher (e o marido) do próximo.
Porque se cobiça, é óbvio. E também está comandado honrar pai e mãe, porque, imagino, até os escritores sagrados sabiam sobre Édipo, a sinistra mistura de ódio e desejos proibidos que estão misturados nas relações entre pais e filhos. E se está proibido matar e roubar é porque estes desejos estão bem vivos dentro da gente. A proibição revela sempre a presença do seu oposto, no lado do avesso, escondido. Vai isto como introdução à continuação de nossas medi- tações demonológicas, já iniciadas. Para absolver o Diabo de
uma acusação injusta que sempre se lhe faz, de que ele coloca desejos impuros na cabeça dos pobres mortais. Nada mais longe da verdade. Este poder não lhe foi concedido.
Não se pode colocar um desejo no coração de ninguém. O que se pode fazer é abrir as portas para que os que já existem, trancados e silenciados, apareçam na sala de visitas onde os convivas, na companhia grave de clérigos e princípios de moral, falam sobre as coisas com as quais todos concordam e que não fazem ninguém enrubescer. O Diabo não joga porcaria dentro da fonte. Ele só mexe no lodo que repousava no fundo da água limpa. E aí começam a surgir sapos, cobras, escorpiões — e o rosto de Narciso vira coisa feia.
Mas não é só isto que as artes do Diabo fazem aparecer. O fundo das águas é lugar encantado, onde moram também
lindas