coração das trevas
O estuário do Tamisa rasgava-se como a boca de um canal interminável. Céu e mar uniam-se ao largo, sem traço de separação, e as velas crestadas das barcaças, a subirem com a maré, pareciam imobilizar-se no espaço luminoso como fardos de lona muito tensa, vermelhos, onde luzia o verniz dos mastros.
As margens baixas corriam para o mar e sobre elas carregava uma névoa diluída na planura. O ar estava sombrio acima de
Gravesend, e mais longe parecia condensar-se numa treva desolada que pesava, imóvel, sobre a mais vasta e grandiosa cidade do mundo.
O director da Companhia era nosso capitão e anfitrião. De costas, com os olhos postos no mar, a nós quatro inspirava simpatia. Em todo o rio nada havia mais náutico do que ele.
Tinha ar de piloto de barra, o que entre marinheiros quer dizer confiança personificada. Era difícil admitirmos que a sua profissão deixasse de chamá-lo ali, ao luminoso estuário, e o não levasse longe, para enigmáticas sombras.
Eu já disse noutro lado que a todos nos ligava o laço do mar. Em largos períodos de afastamento mantinha unidos os nossos corações, mas, além disso, garantia a tolerância mútua
que devemos às nossas histórias - ou mesmo certezas. O advogado - o melhor dos camaradas - era homem com tantos anos e virtudes que lhe dávamos direito à única almofada e a estender-se no único tapete do convés. O contabilista já tinha à frente a caixa do dominó e divertia-se a fazer construções com pedras de osso. Marlow, esse estava à popa com as pernas cruzadas e encostado ao mastro da catita. Era um homem de rosto cavado, tez lívida e tronco hirto. com ar ascético de ídolo. 6
veio sentar-se connosco. Depois de algumas palavras despreocupadas, no iate houve um silêncio. Por qualquer razão que me não lembra, a