Contos
Sem atrasar um segundo, como fazia há sessenta anos, sr. Antônio, o fotógrafo, chegava à pracinha modesta onde batia o ponto religiosamente. Pegava seus instrumentos de trabalho e se dirigia à sua repartição, que ficava em frente a uma farmácia de produtos naturais bastante requisitada.
Sr. Antônio, como sempre, pegava o cavalete, abria-lhe as pernas - procurando um ângulo perfeito para o equilíbrio - e em seguida acoplava nele o seu instrumento de trabalho, o velho lambe-lambe, que herdara de seu pai e com o qual aprendera com orgulho o ofício.
As poucas pessoas começavam a ir e vim de todos os lados. Pareciam umas não verem as outras - chaga desses séculos. As árvores frondosas ladeavam o seu escritório, paisagem privilegiadíssima. Os pássaros, na copa, entoavam concertos maviosos. D. Clementina, a quituteira, chegava com seu tabuleiro. Vendia cocadas, bolinhos de chuva e o mingau de tapioca que era disputadíssimo. Faziam fila para degustar o delicioso acepipe.
Antônio sentava-se no banquinho de madeira que fora de seu avô e esperava pacientemente os clientes que nunca chegavam. Ele ainda não tinha percebido que muitos deles estavam sendo fotografados no céu e outros experimentavam novas tecnologias.
Enquanto esperava, pitava seu cachimbo e tentava ler o jornal do dia. Com pouca leitura, esforçava-se e lia algumas palavras. Quem lhe informava mesmo as notícias era o João da padaria, sujeito letrado que estudava à noite para ser enfermeiro, e o radinho de pilha inseparável.
Sr. Antônio estava desgostoso com a situação. Tinha dia que levava o pão para casa com poucos trocados, ou os saldava quando a maré estava "pra peixe". Tinha crédito, honrava o fio do bigode. Ele ainda não notara que os tempos eram outros. Tempos dos shoppings, das lojas de departamentos e dos megapixels, das máquinas fotográficas digitais de última geração, que em fração de segundo apresentam o produto ao cliente.