contos de cavalaria
Durante toda a segunda década do primeiro milênio de nosso Senhor, Sir Rodrigues figurou entre os mais respeitados cavaleiros da região ao sul da Galícia. Nos anos em que bramiu sua lança em duelos nas arenas, ele desvirginou mais donzelas do que colecionou oponentes derrotados e gerou mais descendentes do que gostariam de crer os carpinteiros e ferreiros e artesãos e agricultores casados com moças tais.
Foi em um duelo contra Dom Henrique da Lusitânia que, diante das bancadas repletas de espectadores, Sir Rodrigues levou seu golpe mais duro e certeiro quando, prostrado de pé frente ao adversário já derrotado, viu na platéia os dentes brancos do sorriso quase completo da Senhorita Ana. (Digo "quase" não porque se furtasse a um sorriso em todo, mas porque o ano era o oitavo da segunda década do primeiro milênio de nosso Senhor, e porque no oitavo ano da segunda década do primeiro milênio de nosso Senhor, um sorriso nunca era realmente completo no que dizia respeito a dentes, ainda mais se brancos.) Ergueu a mão direita em um aceno que se pretendia confiante, e diante do vacilo do braço forte, não houve alma na platéia que não houvesse previsto sua derrocada. Mas Ana, que não gastava sorrisos à toa e ciente que era da brancura de seus dentes, nem chegou a ver o gesto débil, visto que já deixava a arena, sabendo-se vitoriosa.
O segundo ataque não tardou. Já três noites depois, em um baile, a donzela negou uma dança ao cavaleiro que, embaraçado, teve de simular um riso e alguns passos (e, posteriormente, uma noite de amor) com uma outra senhora que já há algum tempo lhe importunava e que gritava como um casal de gatos, o que só aumentou o desgosto do herói ferido. Os golpes, porém, não cessaram por aí, sucedidos pela hábil intercalação entre dias de indiferença e de olhares calculados, pelas roupas escolhidas a dedo e, finalmente, por três palavras sussurradas em um banquete, tão baixas que Sir Rodrigues se perguntava se realmente teriam sido