Contos 2
Nova Iguaçu, quatro horas da tarde, sábado de sol. Dois times suam a alma numa pelada barulhenta; o campo em que correm os dois times abre-se como um clarão de barro vermelho cercado por uma ponte velha, um matagal e uma chácara silenciosa, de muros altos. A bola, das brancas, é nova e rola como um presente a encher o vazio de vidas tão humildes que, formalmente divididas, na verdade, juntam-se para conquistar a liberdade na abstração de uma vitória. Um chute errado manda a bola pelos ares, lá nos limites da chácara, de onde é devolvida, sem demora, por um arremesso misterioso. Alguns minutos mais tarde, outra vez a bola foi cair nos terrenos da chácara, de onde voltou lançada com as duas mãos por um velhinho com jeito de caseiro. Na terceira. A bola ficou por lá; ou melhor, veio, mas cinco minutos depois, embaixo do braço de um homem gordo, cabeludo, vestido numa calça de pijama e nu da cintura para cima. Era o dono da chácara. A rapaziada, meio assustada, ficou na defensiva, olhando: ele entrou, foi andando para o centro do campo, pôs a bola no chão e, quando os dois times ameaçavam agradecer, com palmas e risos, o gesto do vizinho generoso, o homem tirou da cintura um revólver e disparou seis tiros na bola. No campo, invadido pela sombra da morte, só ficou a bola, murcha.
Armando Nogueira. O melhor da crônica brasileira.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1979.
Interpretação
1. Quem é o narrador dessa história? Ele é um narrador de primeira ou terceira pessoa?
2. Quais são os personagens que participam da narrativa nesse primeiro parágrafo do texto?
3. Que trecho do texto mostra a ação dos personagens no 1º parágrafo?
4. Essa ação está localizada no tempo e no espaço? Justifique sua resposta com apoio no texto.
5. Você certamente deve conhecer a expressão suar a camisa, mas o cronista altera aqui para suar a alma. Com que possível intenção ele faz isso?
6. Que qualidades o cronista atribui à bola? Elas são