Clastres O Arco E O Cesto
V. O arco e o cesto
Quase sem transição, a noite conquistou a floresta, e a massa das grandes árvores parece estar mais próxima. Com a escuridão instala-se também o silêncio; pássaros e macacos calaram-se e só se escutam as seis notas desesperadas do urutau. E, como por acordo tácito com o recolhimento geral em que se dispõem os seres e as coisas, nenhum barulho surge mais desse espaço furtivamente habitado onde acampa um pequeno grupo de homens. Lá um bando de índios guaiaquis acampa. Animado de quando em quando por um sopro de vento, o reflexo avermelhado de cinco ou seis fogos familiares tira da sombra o círculo vago dos abrigos de folha de palmeira, cada um dos quais, frágil e passageira morada dos nômades, protege o repouso de uma família. As conversas murmuradas que se seguiram à refeição cessaram pouco a pouco; as mulheres, abraçando ainda seus filhos encolhidos, dormem. Poder-se-ia julgar também estarem adormecidos os homens que, sentados junto ao fogo montam uma guarda muda e rigorosamente imóvel. Entretanto eles não dormem, e seu olhar pensativo, preso às trevas próximas, mostra uma espera sonhadora. Pois os homens se preparam para cantar,
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e essa noite, como por vezes nessa hora propícia, vão entoar, cada um por si, o canto dos caçadores: sua meditação prepara o acordo sutil de uma alma e de um instante com as palavras que vão dizê-lo, uma voz logo se eleva, quase imperceptível a princípio, brotando do interior, murmúrio prudente que nada traz ainda da busca paciente de um tom e de um discurso exatos. Mas ela sobe pouco a pouco, o cantor torna-se seguro de si e, subitamente, seu canto jorra, esplendoroso, livre e tenso. Estimulada, uma segunda voz se une à primeira, depois uma outra; elas trazem palavras precoces, como respostas a questões que elas precederiam