Claramente a favor do aborto
Há algum tempo, a política brasileira tem sido periodicamente chantageada pela questão do aborto. Tal chantagem demonstra a força de certos grupos religiosos na determinação do ordenamento jurídico brasileiro, o que evidencia como a separação entre Igreja e Estado está longe de ser uma realidade efetiva entre nós. Uma das expressões mais claras dessa força encontra-se no fato de mesmo os defensores do aborto não terem coragem de dizer isso com todas as letras.
Sempre somos obrigados a ouvir afirmações envergonhadas do tipo: “Eu, pessoalmente, sou contra, afinal, como alguém pode ser a favor do aborto? Mas esta é uma questão de saúde pública, devemos analisá-la de maneira desapaixonada…”
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Talvez tenha chegado o momento de dizermos: somos sim absolutamente a favor do aborto. Há aqui uma razão fundamental: não há Estado que tenha o direito de legislar sobre o uso que uma mulher deve fazer de seu próprio corpo. É estranho ver algumas peculiaridades brasileiras. Por exemplo, o Brasil deve ser um dos poucos países onde os autoproclamados liberais e defensores da liberdade do indivíduo acham normal que o Estado se arrogue o direito de intervir em questões vinculadas à maneira como uma mulher dispõe de seu próprio corpo.
Há duas décadas, a artista norte-americana Barbara Kruger concebera um cartaz onde se via um rosto feminino e a frase: “Seu corpo é um campo de batalha”. Não poderia haver frase mais justa a respeito da maneira com que o poder na contemporaneidade se mostra em sua verdadeira natureza quando aparece como modo de administração dos corpos e de regulação da vida. Esta é a função mais elementar do poder: fazer com que sua presença seja percebida sempre que o indivíduo olhar o próprio corpo.
Nesse sentido, não deixa de ser irônico notar como alguns setores do cristianismo, como o