Ciência e mito
5.1. Para a ciência, o universo é ordenado, com leis acessíveis à razão
Foi, sem dúvida, a estrutura do mito judaico-cristão que tornou possível a ciência moderna. Porque a ciência ocidental funda-se na doutrina monástica dum universo ordenado, criado por um Deus que está fora da natureza e a governa por leis acessíveis à razão humana.
É provavelmente uma exigência do espírito humano ter uma representação do mundo que seja unificada e coerente. Na sua falta aparecem a ansiedade e a esquizofrenia. E é preciso reconhecer que, em matéria de unidade e de coerência, a explicação mítica é muito superior à científica. Porque a ciência não tem como objectivo imediato uma explicação completa e definitiva do universo. Ela só opera localmente. Ela procede através duma experimentação pormenorizada sobre fenômenos que consegue circunscrever e definir. Contenta-se com respostas parciais e provisórias. Pelo contrário, os outros sistemas de explicação, quer sejam mágicos, quer míticos, quer religiosos, englobam tudo. Aplicam-se a todos os domínios. Respondem a todas as questões. Explicam a origem, o presente e mesmo o futuro do universo. Pode recusar-se o tipo de explicação oferecido pelos mitos ou pela magia. Mas não se lhes pode negar unidade e coerência.
5.2. A ciência é menos ambiciosa que o pensamento mítico
(...) À primeira vista, pelas perguntas que faz e as respostas que procura, a ciência parece menos ambiciosa que o mito. De fato, o início da ciência moderna data do momento em que as questões gerais foram substituídas por questões limitadas; em que, em vez de se perguntar: "Como foi criado o universo? De que é feita a matéria? Qual é a essência da vida?", começou a perguntar-se: "Como cai uma pedra? Como corre a água num cano? Qual é o percurso do sangue no corpo?" Esta mudança teve um resultado surpreendente. Enquanto as questões gerais apenas recebiam respostas limitadas, as questões limitadas conduziram a respostas