Hodiernamente, é quase inconcebível pensar a noção de filme dissociada da ideia de narrativa: seria, decerto, insidioso perguntar para alguém quantos filmes conhece sem ‘’história’’. Todavia, nos albores de sua produção, o cinema foi majoritariamente não narrativo, logo ocorreu uma inversão drástica, cujos motivos nos são apresentados por Jacques Aumont em ‘’Cinema e Narração’’. O autor atribui à ‘’imagem figurativa em movimento’’ inegável relevância para a metamorfose supracitada. Seu advento libertou os objetos de sua existência puramente material, isto é, são anexadas entrelinhas em cada objeto, com o intuito de ‘’fazer com que o objeto signifique algo além de sua simples representação’’, condensando todo um ‘’universo’’ em volta dele. O corolário dessa ‘’ostentação’’ é disparar uma narrativa, mesmo mínima, quando o espectador fica diante do movimento e, por conseguinte, do devir dessas imagens; a ‘’história, então, torna-se passível de síntese, e é possível depreender a ‘’duração’’ e a ‘’transformação’’, sedimentando o conúbio entre narrativa e cinema. Por fim, a narrativa foi acoplada também para legitimar o cinema como ‘’arte nobre’’, tal qual o romance e o teatro, no limiar do século XX. A fim de recrudescer o embasamento, recorreu-se a ‘’temas literários’’ e atores profissionais. Consolidou-se, destarte, o cinema narrativo que, embora indubitavelmente hegemônico, não aniquilou o cinema não narrativo, o qual, inclusive, usa por vezes elementos de sua contraparte. Outrossim, o cinema narrativo pode se valer de predicados alheios a narração, afinal não se trata de uma dicotomia rígida, mas antes de uma interpenetração de aspectos diferentes. Uma forte crítica ao cinema narrativo clássico acusa-o de ser submisso aos interesses de Hollywood, ou seja, americanóide, industrial e puramente narrativo. Segundo Jacques Aumont, tal crítica é apenas em parte correta, porquanto toda produção cinematográfica tem seu viés