Brincando com as letras
1. O assunto que me foi confiado nesta série é aparentemente meio desligado dos problemas reais: “Direitos humanos e literatura”. As maneiras de abordá-lo são muitas, mas não posso começar a falar sobre o tema específico sem fazer algumas reflexões prévias a respeito dos próprios direitos humanos. É impressionante como em nosso tempo somos contraditórios neste capítulo. Começo observando que em comparação às eras passadas chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação. No entanto, a racionalidade do comportamento é também máxima, servida freqüentemente pelos mesmos meios que deveriam realizar o desígnio da racionalidade. Assim, com a energia atômica podemos ao mesmo tempo gerar força criadora e destruir a vida pela guerra; com o incrível progresso industrial aumentamos o conforto até alcançar níveis nunca sonhados, mas excluímos deles as grandes massas que condenamos à miséria; em certos países, como o Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssima distribuição dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a degradação da maioria. Ora, na Grécia antiga, por exemplo, teria sido impossível pensar numa distribuição eqüitativa dos bens materiais, porque a técnica ainda não permitia superar as formas brutais de exploração do homem, nem criar abundância para todos. Mas em nosso tempo é possível pensar nisso, e no entanto pensamos relativamente pouco. Essa insensibilidade nega uma das linhas mais promissoras da história do homem ocidental, aquela que se nutriu das idéias amadurecidas no correr dos séculos XVIII e XIX, gerando liberalismo e tendo no socialismo a sua manifestação mais coerente. Elas abriram perspectivas que pareciam levar à solução dos problemas dramáticos da vida em sociedade. E de fato,