Beijo no asfalto
Nelson Rodrigues
Escrita em apenas 21 dias, a peça O Beijo no Asfalto foi inspirada na história de um repórter do jornal "O Globo", Pereira Rego, que foi atropelado por um arrasta-sandália, espécie de ônibus antigo. No chão o velho jornalista percebeu que estava perto da morte e pediu um beijo a uma jovem que tentava socorrê-lo.
Nelson Rodrigues mudou "um pouquinho" da história. Na trama do dramaturgo, o atropelado da praça da Bandeira pede um beijo a Arandir, figura jovem e de coração puro e atormentado. Amado Ribeiro, repórter do jornal "Última Hora" retratado por Nelson no folhetim Asfalto Selvagem, presencia o beijo na boca entre os dois homens e, junto com o delegado corrupto Cunha, transforma a história do último desejo de um agonizante em manchete principal. O sensacionalismo da "Última Hora" muda completamente a história, retratando Arandir como um criminoso que empurrou o amante e depois o beijou. A vida do jovem se transforma num inferno e nem mesmo sua mulher acredita que ele é inocente.
Por trás de uma história aparentemente simples, O Beijo no Asfalto discute questões fundamentais à condição humana. Nelson Rodrigues aproveitou o beijo espontâneo dado por
Arandir, homem de coração puro, no atropelado, para fazer um libelo contra a falsidade, o juízo baseado na aparência e as convicções erradas de parte da sociedade.
O Beijo no Asfalto é uma obra aberta a vários significados. Uma interpretação pertinente é que a peça fala, essencialmente, sobre a dúvida. O beijo de Arandir no atropelado é a substância dessa dúvida. É este ato espontâneo de caridade que vai desencadear o lado tenebroso da alma de cada uma das personagens. Todos se infeccionam, inclusive o próprio Arandir, que passa a duvidar de si mesmo. A carga da maldição do beijo no asfalto - beijar a boca de quem morre - representa o núcleo dramático.
Seguindo esta interpretação, O Beijo no Asfalto acaba sendo uma meditação dramática sobre o problema da morte: