As delicias do Jardim
José Américo Motta Pessanha
... uma vez, ao menos, vivi como os deuses: é quanto basta.
Hölderlin, Às Parcas. (∗ )
No final do século XIX, arqueólogos franceses descobriram em Enoanda, na
Capadócia (Turquia central), pedras contendo curiosa inscrição: uma mensagem filosófica mandada gravar por certo Diógenes, no século II d.C. Na verdade, a mensagem que esse cidadão de Enoanda e professor em Rodes procurou perpetuar no muro de um dos pórticos de sua cidade é constituída por teses fundamentais da ética de Epicuro, filósofo grego que vivera cerca de quinhentos anos antes (século III a.C). Testemunho comovente da admiração de um discípulo por seu mestre, o texto inscrito nas pedras da muralha parece conter uma carta que Epicuro endereçara à mãe, [1] mas que Diógenes considera de imensa valia para qualquer pessoa, de qualquer época. Assim, movido pelo amor aos homens, procura partilhar indiscriminadamente os ensinamentos do mestre com qualquer um que passe diante da muralha de Enoanda. Justifica-se Diógenes, na parte inicial da inscrição:
Se uma pessoa, ou duas, ou três, ou quatro, ou o número que queiram, estiver em aflição, e se eu fosse chamado a ajudá-la, faria tudo que estivesse em meu poder para oferecer meu melhor conselho. Hoje, a maioria dos homens está doente, como que de uma epidemia, em função das falsas crenças a respeito do mundo, e o mal se agrava porque, por imitação, transmitem o mal uns aos outros, como carneiros. Além disso, é justo levar socorro àqueles que nos sucederão. Eles também são nossos, embora ainda não tenham nascido. O amor aos homens nos leva a ajudar os estrangeiros que venham a passar por aqui. Como a boa mensagem do livro já foi difundida, resolvi utilizar esta muralha para expor em público o remédio da humanidade. Doente, a humanidade transformada em rebanho precisa de tratamento. A fonte do mal, que se alastra pelo contágio do mimetismo, está detectada: as falsas crenças. O que move