Artigo Completo
Dra. Maria das Graças de Oliveira Costa Ribeiro1
Dr. Luiz Assunção de Carvalho2
RESUMO
As distâncias reduzem-se em serem apenas distâncias ao contarmos com a palavra escrita, envelopada e enviada para determinado destinatário. As palavras não existem por si só, nem tampouco se conformam em lançar-se unilateralmente. Elas precisam flutuar de um lado para o outro, num movimento contínuo de idas e vindas, deixando marcas no curto pouso. Por tal razão é que “a ciência social precisa examinar a parte que cabe às palavras na construção das coisas sociais” (BOURDIEU, 2008, p.81).
Traçaremos, neste artigo, o eco de construtores e construídos do universo sagrado, vozes que se personalizam em vidas e vidas que se diluem em vozes. Qual seja a denominação lhes dada: devotos, romeiros, beatos, são verdadeiros bailarinos, transeuntes de uma ponte, indo da imanência existencial à transcendência divina. São escritores, posso assim assegurar de antemão; destinam suas dores e dramas a um papel e ao seu patriarca maior, o redentor de suas aflições, o “milagreiro” padre Cícero. Trataremos dessas cartas, falaremos dessas cartas, adentrando neste novo espetáculo de fé e mais que isso, lendo os romeiros, compreenderemos as cores e dores dos que vivem na bancada da Igreja.
Nesta perspectiva, verificaremos como se constitui a relação das trocas linguísticas e dialógicas entre os romeiros e o referido padre, através da emissão de cartas. Dialogismo entendido, nesta pesquisa, como uma forma transgressiva, escolhida pelos afilhados do padre Cícero no afã de ultrapassarem os limites entre céu e terra, através do envio de cartas que todos os dias, e mais intensamente em tempo de romarias, são depositadas no cofre, exposto no Museu do Padre Cícero, localizado no Horto de Juazeiro do Norte-CE. Essa “transgressão” é aqui referida enquanto “subversão herética”, conforme Bourdieu (2008), por os devotos escreventes