Análise jurídica o mercador de veneza
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (1)
Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2011
Leituras jurídicas do Mercador de Veneza, de William Shakespeare, recorrentemente apontam para um conflito central: a estrita obediência para com a letra da lei em face de certa plausibilidade interpretativa. Naquele primeiro caso, chama-se apressadamente de positivismo jurídico. Na segunda hipótese, a dogmática contemporânea nominaria de razoabilidade na aplicação da norma.
O eixo temático da peça, primeiramente encenada em 1596, foca-se num contrato celebrado entre um mercador judeu e um cidadão veneziano; aquele primeiro marcado como usurário, e este último identificado como destemido inimigo dos agiotas. O mercador avençou um empréstimo garantido pelo cidadão com exatamente uma libra de carne, do próprio corpo. A libra de carne (the pound of flesh) pode significar a desumanidade do mercador (Shylock), sua natureza predatória, seu desejo de vingança; ou mesmo sua confiança na referência da literalidade da lei, o que mais tarde se voltará contra ele[2]. A tática virou-se contra o tático.
Não se sabe exatamente se a proposta de Shylock qualificava vingança do agiota ou, no limite, se fora justamente uma maneira deliberada de acertar suas relações com o veneziano, na medida em que abria espaço imaginário para acerto de contas no futuro. Curiosamente, Shylock acreditava nas leis de Veneza; não buscou ajuda de nenhum advogado. No fim da peça, quando pretendia executar seu contrato, fora diretamente ao Duque, responsável pela distribuição de justiça.
Leituras políticas da mesma peça sugerem que há quem possa apreender do texto algum traço de antissemitismo em William Shakespeare. É notória a tentativa de se imputar ao vilão, Shylock, muitas características hediondas. Shylock é um monstro, insensível. Mas nem sempre. Cuide-se o leitor. Ao fim da peça pode-se