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A DOR, O INDIVÍDUO E A CULTURA*
Cynthia A. Sarti**
RESUMO: Na dor, manifesta-se claramente a relação entre o indivíduo e a sociedade.
As formas de sentir e de expressar a dor são regidas por códigos culturais e a própria dor, como fato humano, constitui-se a partir dos significados conferidos pela coletividade, que sanciona as formas de manifestação dos sentimentos. Embora singular para quem a sente, a dor se insere num universo de referências simbólicas, configurando um fato cultural. PALAVRAS-CHAVE: dor, cultura, corpo, significado social.
* Estas reflexões originaram-se de uma apresentação sobre o tema “A dor como fenômeno sócio-cultural”, no II Encontro de Enfermagem Neonatológica, realizado de 8 a 10 de setembro de 1998, na Universidade Federal de São Paulo/Escola
Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), na Mesa-Redonda Abordagem multidisciplinar da dor no recém-nascido.
** Antropóloga, Doutora em Antropologia Social pela USP, Professora do Centro de Estudos em Saúde Coletiva (CESCO) da
Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). CESCO, Rua dos Otonis, 592. CEP
04025-001 São Paulo – SP. Telefone: (0xx11) 576-4586 ou 572-0609.
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A dor, o indivíduo e a cultura
A dor, como o amor, remete a uma experiência radicalmente subjetiva. Aquele que sente a dor, dela diz, eu é que sei. Frente à dor do outro, há comoção, sofrimento (ou, mesmo, gozo), com maior ou menor distância e intensidade. Embora singular para quem a sente, a dor, como qualquer experiência humana, traz a possibilidade de ser compartilhada em seu significado, que é uma realidade coletiva (embora jamais possamos nos assegurar de que o que atribuímos ao outro, corresponda exatamente ao que ele atribui a si mesmo).
Assim, dizemos que entendemos a dor do outro. Não é precisamente esta possibilidade que fundamenta o sentimento da compaixão, a comoção diante do sofrimento alheio? Mas como saber da dor do outro? E a nossa dor? Como vivenciá-la e expressá-la? Quem irá