“Ser e tempo"
Os livros de filosofia costumam carregar a fama de serem difíceis. Nós, o público leigo, costumamos pensar neles como longas digressões sobre coisas muito abstrusas numa linguagem que as torna ainda mais inacessíveis. Embora essa imagem, na maioria das vezes, seja falsa, sendo apenas o caso de que não damos a esses livros a chance devida para nos seduzirem e nos aprisionarem, no caso de "Ser e tempo", de Heidegger, aquele estereótipo do texto truncado, que nos causa dor de cabeça e desespero durante a leitura, não está longe da verdade. Heidegger era um gênio, sem dúvida, com idéias revolucionárias e robustas, mas não era um autor particularmente preocupado em fazer-se entender fora do círculo de filósofos profissionais que conviviam com ele. Por isso, sua linguagem, excessivamente abstrata e parcamente ilustrativa, representa um obstáculo real na tarefa de acesso à sua filosofia. Gostaria, se possível, de prestar aqui uma humilde contribuição a essa tarefa, introduzindo de maneira mais palatável algumas de suas idéias principais.
"Ser e tempo" aborda de maneira original uma das mais antigas questões da filosofia: a questão do ser. Vou, inicialmente, dizer do que se trata essa questão, que, embora seja bastante abstrata, depois de compreendida se revela fundamental.
No nosso dia-a-dia, falamos de muitas coisas que existem. Falamos de coisas que têm existência objetiva, como cidades, ruas, casas, carros, roupas, relógios, mesas, cadeiras, telefones celulares etc. Falamos também de pessoas, de homens, de mulheres, de brancos, de negros, de crianças, de adultos, de jovens, de idosos etc. Falamos também de relações, de perto, de longe, de maior, de menor, de mais belo, de mais rápido, de mais barato etc. Falamos ainda de coisas cuja existência é subjetiva, como pensamentos, sentimentos, lembranças, imaginações, sonhos, ilusões de ótica etc. Falamos, finalmente, de coisas cuja existência é cultural, como valor da moeda,