Água viva - clarice lispector - resumo
O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente o chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará num imediato que absorve o instante presente e torna-o passado.”( Água Viva 1973/ 1979,19)
A velocidade desenfreada do tempo atual é inimiga mortal da memória. Talvez fosse o caso de se editar o manual de sobrevivência da memória. Reeditar o mito de Sherazade, ícone salvacionista das reminiscências e, de modo idêntico, de sua função narratária. A memória é o lócus privilegiado do imaginário, berço de toda ficção.
Se pela dimensão desejante somos afetados pela leitura, então não lemos apenas com o auxílio da razão e do entendimento. Em Água viva, de Clarice Lispector, a personagem-narradora diz: “Encarno-me nas frases voluptuosas e ininteligíveis que se enovelam para além das palavras.”Lemos com o corpo todo, nosso corpo linguageiro,corpo erógeno, pulsional. A relação do corpo com a linguagem se dá pela mediação exercida pela sensorialidade das palavras. Recorde-se o que dissera, no início, sobre o texto literário ser, por excelência, um texto de evocação. Essa dimensão evocativa supõe corporeidade e desejo. Em sua materialidade significante,o texto se faz carne e corpo erótico. A escritura é a prova de que o texto deseja o leitor. Numa perspectiva barthesiana, diria que a escritura é o Kamasutra da linguagem.
Em 1971, Clarice Lispector conclui as quase duzentas páginas de um manuscrito a que intitulado "Objeto gritante". Composto na maioria de crônicas publicadas anteriormente em jornal, "Objeto gritante" é a radicalização de uma tendência em Clarice já flagrada no seu romance anterior, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969): a de enxertar fragmentos por assim dizer jornalísticos no tecido de suas