O tempo
"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um individuo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante tudo vai ser diferente.
Nossos Velhos (Martha Medeiros)
Pais heróis e mães rainhas do lar.
Passamos boa parte da nossa existência cultivando estes estereótipos.
Até que um dia o pai herói começa a passar o tempo todo sentado, resmunga baixinho e puxa uns assuntos sem pé nem cabeça.
A rainha do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá prá implicar com a empregada.
O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para outra?
Fizeram 80 anos.
Nossos pais envelhecem.
Ninguém havia nos preparado para isso.
Um belo dia eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles serem cuidados e mimados por nós, nem que para isso recorram a uma chantagenzinha emocional.
Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam.
Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina.
Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo.
Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim? frege? auto