O QUE FAZER DAS MISS ES FRANCESAS
Gabriel Silveira de Andrade Antunes
* Membro do Grupo Fibral
1. O caso Maugüé e a formação da cultura filosófica uspiana revisitada
O fato é que o hábito suspensivo de deixar falar o próprio texto, ressaltando-lhe a armação interna em detrimento de seu valor de verdade – resíduo naturalista desprezível -, era não só um convite à timidez metodológica (prima pobre da dúvida cartesiana), mas uma verdadeira escola de inibições. A ascese em que redundava a interpretação ad mentem auctoris, bem como o interdito da objeção dogmática (sempre intempestiva), eram por certo virtudes profiláticas porém dormitivas, a ponto de paralisar o espírito, suprimindo a distância (e o Método pedia identificação) sem a qual ele não sobrevive.
[Paulo Eduardo Arantes]
Paulo Arantes apresenta a formação da cultura filosófica uspiana, que remonta às missões francesas dos anos trinta do século passado, como uma “reviravolta decisiva em nossa malsinada dependência cultural” (1994, p. 61). Ainda segundo Arantes (1994), era então implementada uma prática filosófica de formação rotineira e organizada, centrada na leitura cuidadosa dos textos clássicos da filosofia como antídoto ao diletantismo, ao filoneísmo e à adivinhação que caracterizariam as práticas anteriores. Personagem fundamental dessa transformação, o normalien Jean Maugüé (2014), num artigo intitulado O ensino de filosofia e suas diretrizes, procurou estabelecer as condições para o ensino filosófico na USP segundo a fórmula kantiana de que só se ensina a filosofar. Paulo Arantes (1994) entende que Maugüé aí engendra uma articulação entre a máxima kantiana e a tradição universitária francesa, orientando no sentido histórico o ensino filosófico do estabelecimento, uma vez que a leitura dos clássicos com critério e sentimento era concebida como o único meio para se aprender a filosofar. Respondendo aos defeitos referidos acima da vida cultural brasileira, Maugüé assim formulou a tarefa