o nascimento da clínica - cap. VIII -
«Está começando, na França, uma época inteiramente nova para a medicina; a análise aplicada ao estudo dos fenômenos fisiológicos, um gosto esclarecido pelos escritos da Antiguidade, a união da medicina com a cirurgia, a organização das escolas clínicas operaram esta espantosa revolução caracterizada pelos progressos da anatomia patológica”.
Durante 150 anos - a medicina só pôde ter acesso ao que a fundava cientificamente contornando um obstáculo que a religião, a moral e preconceitos opunham à abertura dos cadáveres. A anatomia patológica viveu na penumbra, nos limites do proibido, e graças à coragem dos saberes clandestinos que suportaram a maldição; só se dissecava ao amparo de duvidosos crepúsculos, no grande medo dos mortos:
Valsalva e Morgagni eram acusados de revirar caixões para usar os cadáveres; No Iluminismo a morte passou a ser fonte de conhecimento; Restos inanimados do corpo humano, antes miserável presa dos vermes, tornaram-se a fonte das mais úteis verdades». O cadáver, antes fadado a apodrecer se torna fonte de conhecimento. O saber tece onde cresce a larva.
Esta reconstituição é historicamente falsa. Morgagni (meados do XVIII) e Hunter (anos mais tarde), realizavam autópsias; Desde a metade do século XVIII, a clínica de Viena e a de Pávia tinham sala de dissecção; Desault, no Hôtel-Dieu, pode «demonstrar no corpo privado de vida as alterações que tornaram a arte inútil». Art. 25 do decreto de Marly: «Ordenamos aos magistrados e diretores dos hospitais que forneçam cadáveres aos professores para as demonstrações de anatomia e o ensino das operações cirúrgicas».
Portanto, havia cadáveres no século XVIII, não foram violadas sepulturas; o que houve no século XIX, foi um mito criado por