O nacionalismo de fichte
DA DOUTRINA DA CIÊNCIA *
DIOGO FERRER
Em memória do Professor Gama Caeiro
A evolução do pensamento político de Fichte, em especial acerca das implicações da universalidade da razão no domínio da filosofia política, levanta dificuldades de interpretação assinaláveis. Cremos, entretanto, que a dificuldade de uma compreensão unívoca do percurso histórico e conceptual desta questão na filosofia política de Fichte não é, em primeiro lugar, uma dificuldade circunstancial, mas é, pelo contrário, expressão de uma outra dificuldade, mais fundamental, directamente ligada a problemas da validade e dos limites da filosofia transcendental. Ao procurar, com a sua descoberta da Doutrina da Ciência, e posterior elaboração de duas décadas, encontrar e trazer à expressão os princípios últimos do criticismo,
Fichte deparou-se com uma dificuldade paralela ao nível da filosofia política. Defendemos a tese de que é essencialmente a mesma dificuldade que move a evolução do pensamento de Fichte acerca das implicações políticas da universalidade da razão, e que suscita cada uma das versões da Doutrina da Ciência. Esta dificuldade, de modo muito geral, é a de expor de modo sistematicamente adequado a relação entre, por um lado, um formalismo transcendental e apriorístico que define estruturas gerais de inteligibilidade e, por outro, a materialidade do existente, na medida em que não pode, nem deve, ser absorvido simplesmente pela dimensão estrutural do pensar.
* Este texto corresponde , com diversas alterações , e actualização bibliográfica, ao
Apêndice da minha dissertação de Mestrado Metafísica e Crítica em Fidue. A Doutrina da Ciência de 1805 ( Lisboa , 1992, inédito).
Revista Filosófica de Coimbra-n.° 17 (2000)
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Diogo Ferrer
Do mesmo modo como a Doutrina da Ciência tem por núcleo de questionamento o limite e, mais do que isso, busca elucidar a limitação progressiva dos modos