o dedão do fim do mundo
Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio, do que do cheio. Falava que os vazios são maiores, e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira. Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto no final na frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.
O pai morava no fim de um lugar. Aqui é lacuna de gente ele falou, só quase que tem bicho, andorinha e árvore. Era um lugar sem nome nem vizinhos. Diziam que ali era a unha do dedão do pé do fim do mundo. A gente crescia sem ter outra casa ao lado, no lugar só constavam pássaros, árvores, o rio e os seus peixes. Havia cavalos sem freio nos matos, cheios de borboletas nas costas. O resto era só distância.
No quintal a gente gostava de brincar com palavras mais do que de bicicletas, principalmente porque ninguém possuía bicicleta. A gente brincava de palavras descomparadas, tipo assim: O céu tem três letras, o sol tem três letras, o inseto é maior porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três, logo o inseto é maior. A gente inventou um truque para fabricar brinquedos com palavras, o truque era só virar bocó. Como dizer, eu pendurei um bem-te-vi no sol.
Meu