O Cerebro E O Pensamento
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Por Georges Canguilhem
In: Georges Canguilhem – Philosophe, historien des sciences
Actes du Colloque, 6-8 dezembro de 1990
Paris: Albin Michel
É certo que cada um de nós se envaidece por ser capaz de pensar, e muitos até gostariam de saber como é possível que pensem como de fato pensam. Ao que tudo indica, entretanto, essa questão já deixou, manifestamente, de ser puramente teórica, pois parece-nos que um número cada vez maior de poderes estão se interessando pela nossa faculdade de pensar. E se, portanto, procuramos saber como é que nós pensamos do modo como o fazemos, é para nos defender contra a incitação, sorrateira ou declarada, a pensar como querem que pensemos. Com efeito, muitos se interrogam a respeito dos manifestos de alguns círculos políticos, a respeito de certos métodos de psicoterapia dita comportamental e a respeito dos relatórios de certas empresas de informática. Eles acreditam estar discernindo aí a virtualidade de uma extensão programada de técnicas que objetivam, em última análise, a normatização do pensamento. Para simplificar sem, espero, deformar, bastará citar um nome: o de Leonid Pliouchtch, e uma sigla: a da I.B.M.
Da mesma forma que os biólogos acharam que só podiam falar do cérebro humano situando esse cérebro no extremo de uma história dos seres vivos, parece-me também apropriado, para começar uma palestra sobre o cérebro e o pensamento, situar essa questão, antes de mais nada, na história da cultura.
Se, hoje, é fato notório ser o cérebro humano o órgão do pensamento, é preciso, entretanto, lembrar que um dos maiores filósofos da antiguidade, Aristóteles, ensinava que a função do cérebro, antagonista da do coração, é a de arrefecer o corpo do animal. Foi Hipócrates quem ensinou que o cérebro é a sede das sensações, o órgão dos movimentos e dos juízos. É o que prova o tratado hipocrático "Da doença sagrada” (isto é a epilepsia). Essa doutrina, retomada em parte por Platão, notadamente no Timeu, deve
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