O cavaleiro inexistente e o homem sem sombra
Com Cervantes, o universo cavaleiresco torna-se alvo do riso corrosivo que destrói as estruturas de um mundo representado na literatura como palco de afirmação do homem como herói valoroso entregue às demandas do divino ou aos amores corteses que o motivavam para os duelos, as aventuras, às mirabilias.
Seguindo a trilha cervantina, Ítalo Calvino com seu romance O cavaleiro inexistente polemiza com toda a tradição dos romances de cavalaria e dialogicamente ri de todo esse universo idealizado, apresentando-nos a decadência, senilidade e finitude dos personagens magníficos que povoavam os romances de cavalaria medievais, particularmente de Carlos Magno e seus paladinos.
Em Calvino resta-nos como modelo de cavaleiro apenas uma armadura reluzente com voz metálica e dentro dela apenas o vazio e a solidão que representam o definhamento de uma visão épica de mundo. O cavaleiro do romance de Calvino não existe: Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Atri de Corbentraz e
Surra, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez, usa uma armadura imaculadamente branca e dentro dela não existe nada: apenas uma voz metálica e os movimentos indicam a existência-inexistência desse comedido e sistemático cavaleiro. Agilulfo é inexistência munida de consciência e vontade. Modelo de cavaleiro, sua ética é marcada pelos valores do mundo cavaleiresco-medieval. De sua armadura, impecavelmente lustrada e brilhante, que se move por todos os lugares, apenas se ouve uma voz fria e impessoal. Correto, impecável e preso aos seus valores, ele é o modelo do varão que se dedica a sua causa (mesmo sem justificativa). Só que ele não existe corporalmente. Do modelo medieval, restou apenas a armadura, as armas e o código a ser seguido.
Fruto do estilhaçamento do paradigma medieval da cavalaria que estava entregue a uma missão e a um ideal religioso, ético ou amoroso, Agilulfo é apenas a sua armadura. Se Cervantes ao rir