O campo científico - pierre bourdieu
Pierre Bourdieu
A sociologia da ciência repousa no postulado de que a verdade do produto − mesmo em se tratando desse produto particular que é a verdade científica − reside numa espécie particular de condições sociais de1produção; isto é, mais precisamente, num estado determinado da estrutura e do funcionamento do campo científico. O universo "puro" da mais "pura" ciência é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas específicas.
A luta pelo monopólio da competência científica
O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado.2 Dizer que o campo é um lugar de lutas não é simplesmente romper com a imagem irenista da "comunidade científica" tal como a hagiografia científica a
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Reproduzido de BOURDIEU, P. Le champ scientifique. Actes de Ia Recherche en Sciences Sociales, n. 2/3, jun. 1976, p. 88-104. Tradução de Paula Montero. 2 Duas observações rápidas para evitar possíveis mal-entendidos. Primeiramente, não se pode reduzir as relações objetivas que são constitutivas do campo ao conjunto das interações, no sentido do interacionismo, isto é, ao conjunto das estratégias que, na realidade, ele determina. Por outro lado, é necessário precisar o que significa ser socialmente reconhecido. Veremos que o grupo que confere esse reconhecimento tende, cada vez mais, a reduzir-se ao conjunto dos cientistas (ou concorrentes)