A Peste Negra - Decameron
Giovanni Boccaccio (1313-1375) era natural de Florença e estudou Direito antes de se dedicar à literatura. Ele é principalmente recordado pela sua grande criação literária, o Decameron (Ca.1350) cujas páginas iniciais nos dão uma forte impressão sobre o que foi a propagação da Peste Negra no Ocidente em fins da Idade Média.
“Digo que já haviam chegado os anos da frutífera encarnação do Filho de Deus ao número de mil trezentos e quarenta e oito, quando a cidade de Florença, nobre entre todas as da Itália, foi alvo de uma mortífera peste. Ela fosse pela força dos corpos astrais ou por nossos atos iníquos, ou ainda em virtude da justa cólera de Deus enviada aos mortais para nos corrigir depois de ter se assenhorado a alguns anos das regiões orientais, nas quais havia cobrado inumeráveis vidas e de onde sem se deter em nenhum lugar prosseguiu de forma devastadora em direção ao Ocidente estendendo-se de forma continua.
Nenhuma previsão ou providência valiam contra ela, como aquela de que a cidade fosse limpa por operários nomeados para tanto, ou proibir que os enfermos entrassem na população, ou dar-se muitos conselhos para a preservação da saúde, ou rogar não apenas uma, mas várias vezes por dia humildemente a Deus em procissões ou outras formas piedosas.
Em qualquer caso, o certo é que, ao ter início a primavera do mencionado ano, começaram a se manifestar os dolorosos efeitos da pestilência. Mas não ocorria como no ocidente, onde verter sangue pelo nariz era sinal seguro de morte, mas aqui, ao começar a doença, nasciam nas mulheres e nos homens inchaços nas virilhas e sob os braços que por vezes, chegavam a ter o tamanho de uma maçã ou de um ovo. A gente comum dava a esses volumes o nome de bulbões. E, em pouco tempo essas inflamações mortíferas cobriam todas as partes do corpo. Logo os sintomas da enfermidade transformavam-se em manchas negras ou azuladas nos braços cochas e demais partes do corpo, bem grandes e disseminadas ou