A hora da estrela
Tudo começa com uma máscara. Clarice teme se revelar inteira nesta obra, ela se esconde sob um narrador. A história de uma das personagens mais complexas e ricas desta autora é narrada por um ‘homem’, o escritor Rodrigo. Mas, ironicamente, nunca a alma feminina foi tão revelada quanto nesta suposta maestria masculina. Porém, o leitor não se deve deixar enganar. A personagem principal não é exatamente a nordestina Macabéa, mas sim a própria literatura, o ato de narrar, o nascimento de uma obra, tecida com palavras extraídas, muitas vezes, de pedras, ou melhor dizendo, de fatos tão duros quanto elas.
O narrador cria sua personagem favorita como uma metáfora da simplicidade aparente, que neste momento ele busca em sua escrita, tentando fugir dos preciosismos e de uma erudição artificial e estéril. Enquanto a nordestina quase nada questiona, parece aceitar resignadamente seu destino, sem nem pensar sobre a vida, menos ainda em seu sentido, Rodrigo busca a si mesmo, sem cessar, através da literatura. Em muitos momentos ele afirma escrever para não morrer, à procura de uma resposta.
Esta metanarrativa prossegue até a exaustão, e retorna aqui e ali ao longo da história, interrompendo e às vezes até mesmo suspendendo o fluxo narrativo. Em “A Hora da Estrela”, o monólogo interior clariceano transporta-se para a alma do narrador, que aqui não coincide explicitamente com a protagonista, e muitas vezes se transforma em diálogo claro com quem o lê. Cada aspecto da história é discutido com os futuros leitores da obra, desde sua verossimilhança até o tempo-espaço em que a narrativa se ambientará.
A identidade entre o narrador e Macabéa se resume apenas ao seu passado de nordestino, que, aliás, coincide com o da escritora, criada em Maceió e Recife? Ou há mais entre eles do que ousamos presumir? Não são poucos os momentos em que ele se declara apaixonado por Macabéa, e se torna seu mais ardente defensor. Rodrigo adivinha na personagem, sob o corpo