a hora da estrela
A obra literária como leitura/ interpretação do mundo
Hermenegildo Bastos
Partiremos de um pequeno comentário ao livro A hora da estrela, de Clarice Lispector. Assim sendo, a leitura prévia do livro é indispensável. Aqui pretendemos colocar algumas questões centrais com as quais o leitor/crítico se defrontará sempre que estiver frente a uma obra literária ou, em outras palavras, sempre que se posicionar frente a um texto tendo-o como literário, visto que é possível acercar-se de uma obra literária sem perceber sua qualidade literária, tomando-a, por exemplo, como documento sociológico ou psicológico.
QUALIDADES DIFERENCIADORAS DO TEXTO LITERÁRIO
Tomar a obra literária como documento não é propriamente um erro, mas não é o objetivo da crítica literária. Pode trazer subsídios para a crítica, mas não é o escopo desta.
Tomar um texto como literário quer dizer tomá-lo como um texto no qual as funções pragmáticas da linguagem, embora não sejam abolidas, ficam subordinadas à função estética ou poética. Assim, por exemplo, será um erro ler A hora da estrela como um registro da vida de uma emigrante nordestina no Rio de Janeiro. Na verdade, a obra se organiza
I O | TEORIA E PRÁTICA DA CRÍTICA LITERÁRIA DIALÉTICA
a partir desse registro, mas universaliza a situação narrada.
Por isso, Aristóteles dizia que a poesia é mais universal que a história: esta narra o que aconteceu, aquela, o que poderia acontecer. E claro que "história", para Aristóteles, não é o que hoje e n t e n d e m o s por história ou ciência da história, mas apenas o registro cronológico e factual.
Se as obras literárias fossem apenas registros cronológicos e factuais, perderiam seu valor quando os fatos caducassem. Se ainda hoje lemos Os sertões, de Euclides da Cunha, quando a guerra de Canudos já acabou há tanto tempo, é porque a obra não se limita a ser um registro cronológico e factual. Digamos que é u m a forma muito específica de representação ou