A Hist Ria Cultural De Carlo Ginzburg
Jacqueline Hermann
Professora de História Moderna da UFRJ
“Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos [...] e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses formam os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento...”
Essas poucas frases resumem o núcleo das idéias defendidas por Domenico Scandela, o moleiro conhecido como Menocchio, diante dos inquisidores italianos, em 1584. Nascido em Montereale, pequena aldeia do Friuli, foi denunciado ao Santo Ofício pelo pároco dom Odorico Vorai, antigo desafeto que o acusava de pronunciar palavras “heréticas e totalmente ímpias”. Crítico do clero, da Igreja e da opressão contra os pobres, Menocchio foi descoberto por acaso quase quatro séculos depois. A análise cuidadosa de seu processo deu origem ao clássico O queijo e os vermes, livro publicado em 1976 e editado no Brasil 10 anos depois.1
A história de Menocchio não é, no entanto, apenas um relato insólito e extraordinário de algum personagem bizarro, embora ele seja também peculiar. Na lente de Ginzburg, e dando curso a reflexões que se iniciaram antes desse trabalho, a análise do estranho caso de um moleiro perdido nos campos de uma Itália em luta contra o avanço protestante deu corpo a uma profunda reflexão sobre a escrita da história, suas dificuldades, desafios e possibilidades.
Ainda nos anos de 1960, quando pesquisava processos de bruxaria entre os séculos XVI e XVII, Ginzburg deparou-se com um conjunto de documentos sobre os benandanti, ou os andarilhos do bem, defensores das colheitas contra bruxos e feiticeiros. A análise do ritual de fertilidade seguido por esses camponeses, resultou no livro I benadanti2, publicado originalmente em1966, e que revelou um núcleo de crenças populares ainda